Há cerca de duas semanas assisti a algumas aulas públicas do projecto piloto 10×10 inserido no Programa Gulbenkian Educação para a Cultura e Ciência com o objectivo de envolver 10 professores, 10 artistas e alunos de várias escolas secundárias, num trabalho de valorização de conteúdos curriculares do ensino secundário, estimulando a interacção de perspectivas, de saberes e da criatividade de cada um.
O projecto visou especialmente estimular os professores, sujeitos a uma rotina desgastante, contribuindo para a renovação do seu reportório de ferramentas pedagógicas e de estratégias de comunicação na sala de aula. Foi particularmente interessante verificar que no início do projecto a grande maioria dos alunos colocava a questão: De que me serve aprender matemática, geometria, biologia? Igualmente interessante foi o resultado final. Após o projecto, os alunos afirmaram ter “gostado bastante”, que foram “momentos divertidos” e que tinham “criado laços fortes com os colegas”. “Afinal aprender [com a introdução de algumas ferramentas artísticas] é divertido!”. Algumas escolas aferiram que os alunos tinham realmente incorporado os conceitos da disciplina abordados pela interacção artista-professor, sem prejudicar o cumprimento do programa curricular.
Devo confessar que até então não me tinha apercebido da redução drástica de conteúdos artísticos com as variadas reformas no ensino, e que actualmente os alunos do ensino público têm um acesso quase inexistente a educação musical, visual e tecnológica, já para não referir a inexistente educação em expressão dramática. Felizmente a educação física, tão relevante para a saúde da mente e do corpo, ainda se mantém.
O benefício de uma educação pela arte ou das artes não se resume a saber pintar, desenhar, representar, dançar ou tocar um instrumento. As artes estimulam a criatividade e a imaginação. Uma mente criativa tem maior capacidade de resolução de problemas. Por outro lado, a imaginação está directamente ligada ao pensamento abstracto, capacidade de visualizar e interpretar “aquilo que não e visível” como o sentir, cheirar, ouvir, saborear ou ver, ou imaginar o espaço multidimensional necessário para o raciocínio das ciências exactas, por exemplo. Resultado final? Pensamento inventivo.
Biologicamente falando, durante o processo imaginativo ou pensamento criativo (estimulado pelas artes) ocorre uma activação quase generalizada do cérebro, indicando uma forte comunicação entre as várias áreas tanto motora, visual, auditiva, memória, entre outras (Alex Schlegel, Dartmouth College, Hanover). Este estímulo de actividade cerebral só me parece benéfico.
Note-se ainda que a exposição das crianças ou adolescentes às artes vai proporcionar um maior conhecimento de si, descobrindo os seus talentos e interesses, extremamente importante na sociedade actual. Trabalhar de forma alinhada com o talento e em pleno potencial, é uma das fórmulas para o sucesso e sem dúvida para a inovação.
É de referir também que a taxa de abandono precoce de educação e formação em Portugal continua relativamente alta (20,8% em 2012 – ver PORDATA) e que uma das prioridades do Horizonte 2020 é reduzi-la para menos de 10 % e aumentar para, pelo menos, 40% a percentagem da população na faixa etária dos 30-34 anos que possui um diploma do ensino superior. Talvez seja necessária uma reflexão mais cuidada sobre a importância das artes na educação e no ensino, podendo até contribuir significativamente para o cumprimento destes objectivos. As artes proporcionam ferramentas transversais a qualquer área do conhecimento e sem dúvida preparam melhor o aluno para o mercado de trabalho e para a vida em sociedade, a longo prazo.
Fica o desafio.
Ana Margarida Nunes
Instituto de Tecnologia Química e Biológica da Universidade Nova de Lisboa (ITQB-UNL)